EDUARDO RODRIGUES, BRASÍLIA – O Estado de S.Paulo
Eles sobreviveram à popularização dos celulares e da internet e usam sua influência para continuar praticando um hobby quase esquecido no País. Grandes executivos lideram um destemido grupo de cerca de 34 mil radioamadores brasileiros, que mantém sob seu controle diversas faixas do espectro eletromagnético para transmissões experimentais.
Basicamente, eles se dividem em dois grupos. O primeiro, mais conservador, transmite de casa tentando contato com colegas dos mais diversos locais do planeta. O segundo grupo, no geral composto por entusiastas mais jovens e aventureiros, busca transmitir de locais remotos, seja do coração de florestas em ilhas distantes ou do topo de montanhas quase inacessíveis.
E agora esse exército oculto tem uma nova missão: barrar a entrada de eletrônicos chineses no Brasil que, por sua má qualidade técnica, como alegam, causam interferência nas transmissões. Lâmpadas, liquidificadores, rádios e até semáforos com peças asiáticas estão na mira do lobby radioamador.
Interferências. Uma comitiva de empresários praticantes da atividade esteve reunida este mês com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, para apresentar suas queixas em relação aos ruídos no espaço de rádio brasileiro.
“As pessoas não sabem, mas até mesmo suas TVs e rádios funcionam mal por causa dessas interferências. Não é o sinal que é ruim, a culpa às vezes é da lâmpada de casa”, disse, após o encontro, o radioamador Atilano Sobrinho, que é mais conhecido por ser também o presidente da Iesa, companhia que fornece boa parte dos equipamentos utilizados na usina hidrelétrica de Belo Monte.
Militantes. Segundo o presidente da Liga de Amadores Brasileiros da Rádio Emissão em São Paulo (Labre-SP), Aramir Lourenço, além dos executivos de grandes companhias, vários diretores dos maiores bancos do País também militam no radioamadorismo. Mas ele garante que, apesar do maior protagonismo desse grupo na defesa da atividade, todos os radioamadores no mundo mantêm o mesmo status entre si.
Tanto que simples radioamadores brasileiros já conversaram com os reis Hussein, da Jordânia, e Juan Carlos, da Espanha, e só souberam a “profissão” dos colegas depois, quando receberam pelo correio cartões de confirmação dos contatos.
Boa parte das conversas ocorre por telegrafia – famoso código Morse -, mas a voz ainda predomina. Pelo código de ética da atividade, assuntos políticos, religiosos e comerciais são proibidos.
Segundo Lourenço, a quantidade de radioamadores no País deve se estabilizar em torno dos atuais 34 mil praticantes. Apenas em São Paulo, são cerca de 150 candidatos a novas licenças por mês, que passam por uma prova elaborada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
“Não se trata apenas de um hobby, mas também é um serviço de utilidade pública. Quando acaba a energia e as redes de telefonia não funcionam, é o radioamador que ajuda o salvamento em catástrofes naturais”, conta Lourenço. Não por acaso, uma licença de radioamadorismo por lei automaticamente converte o praticante à reserva do Exército brasileiro.
Por isso, o lobby do radioamadorismo já atua em outra frente de batalha. Parlamentares simpatizantes adeptos das transmissões buscam no Congresso alterar vários artigos da Lei Geral de Telecomunicações, que também regula a atividade.
O objetivo é excluir os “soldados do radioamador” da extensa burocracia à qual são submetidas emissoras de rádio e TV, inclusive das potenciais multas pesadas aplicadas no setor.